Batatas na Panela
Abre a cortina da janela. Antes de qualquer cumprimento, Me conta que finalmente o marido deixou sua casa. E ela está aliviada por isso. Corta as batatas no ritmo de sua fala. A mobília da cozinha mudou de lugar. A toalha de mesa parece nova, é quadriculada e de cor roxa, Na liturgia católica, indica concentração. Depois de jogar as batatas na panela, Senta-se à mesa, E apóia a cabeça com o braço. A aliança ainda no dedo se faz brilhar pelo contato com a água. Ela ainda está falando, E eu espero uma deixa para conseguir entrar em casa, Ela deseja ao marido coisas ruins, o olhar está longe e parece falar consigo mesma. Começa a frase e faz um fade ao terminar... O telefone toca. Sinto alívio, digo que vou deixá-la atender e prometo voltar depois.
As pessoas ficam mais bonitas quando estão lendo um livro, mesmo se estiverem sentadas indevidamente no assento preferencial do ônibus. E ficam muito feias quando fitam alguém do seu desapreço.
Assento Preferencial
As pessoas ficam mais bonitas quando estão lendo um livro, mesmo se estiverem sentadas indevidamente no assento preferencial do ônibus. E ficam muito feias quando fitam alguém do seu desapreço.
Dona Maria
Mas é que ela tem um bar na dobra da esquina, sabe assim? Há muitos anos que moro aqui e há muitos anos ela tem esse bar, que não vai ninguém. Eu mesma nunca fui- ou não me lembro- Ela não tem quase nada de mercadoria e as que têm ouço dizer que estão vencidas. Mas ela está sempre lá, na porta dizendo bom dia, tarde e noite para todos que passam, as pessoas não passam por ela sem cumprimentá-la. Eu não a cumprimento. Não é porque não gosto dela, Mas é que quero poupá-la. Imagine, seu único trabalho é servir de ponteiro de relógio para as pessoas, Sim, as pessoas só a cumprimentam porque é como se ela fosse um boletim certificando que "pronto, eu já estou na dobra da esquina". Ás vezes é estranho, na verdade muito estranho, quando seu bar está fechado, a gente passa e sente falta de alguma coisa, mas pode ser que nem nos demos conta. Escrevo sobre ela, Porque estamos meses a frio e mesmo assim lá está ela bem agasalhada atrás do balcão, As pessoas passam, olham automaticamente e têm o trabalho de tirar a mão do bolso para acená-la, assim como ela tem para responder. Eu passo, olho, mas não aceno. E ela volta a vista para TV (sempre na Globo). Não digo, mas ela cumpre sua missão pra mim também, só que eu disfarço.