Por que não se pode deixar os chinelos virados para baixo?
Porque se deixar, a mãe morre. Respondeu sua mãe.
O menino, riu-se. A mãe deu-lhe um tapa na boca.
Ele sabia que era uma estratégia da mãe para manter a casa organizada. Mas riu-se da criatividade metafísica que ele impusera sobre o fato.
Ele não passou a acreditar nela. Mas fingiu que sim, para ela gostar dele. E para lhe dar presentes.
Na adolescência, quando estava na escola, a professora alertou a todos sobre copiar o questionário á caneta e responder á lápis. O problema é que o pobre menino só tinha caneta naquele momento e o seus colegas próximos não podiam lhe emprestar algum lápis. Ele preferiu avisar a professora.
Não tenho lápis agora, Vou responder também á caneta. Tudo bem professora?
Ela não achou tudo bem, Ele então contrapôs:
A senhora é incapaz de distinguir o questionário que elaborou e as respostas que darei?
Ela o pôs para fora da sala.
Ele não concordou sobre a importância de tais materiais na aula, Apenas estocou seu estojo escolar, E fingiu respeitar as regras da professora. Que era para ele gostar dele. E passar de ano.
No primeiro emprego que teve, Batia o cartão de ponto com exatidao. Fazia parte do RH. E nas horas vagas divertia-se com seu chefe o mesmo que no dia em que ele voltou do almoço sem bater o cartão, Lhe chamou a atencão.
Por que está batendo o cartão agora?
Voltei do almoço, mas esqueci de bater o cartão.
Vou ter que descontar esses minutos da sua folha, você sabe. Prontificou-se o chefe amigo.
Ele retrucou:
Você me viu aqui, sabe que simplesmente esqueci.
Sei. Mas a máquina de ponto, não.
E quem é o chefe aqui, você ou a máquina? Riu-se na intenção de fazer o chefe pensar.
O chefe não riu e horas mais tarde, quando o menino já havia feito os trabalhos que ele não queria fazer, o demitira.
O menino não acreditava que devesse ser funcionário de máquinas, Mas no novo emprego achou melhor colocar alarmes no seu celular com os horários que devia bater o cartão. Que era pra que gostassem dele. E pra ser promovido.
Ele queria ser artista, Achava que assim poderia ficar famoso e não precisar obedecer a ninguém. Achava digno ingressar em uma escola de Arte, Mas foi reprovado, em todas elas. Por um lado achava que era gênio demais. Por outro e determinante lado, Achou que não servia mesmo para a coisa. E desistiu, que era pra gostarem dele. E não passar mais vergonha.
Seu quarto é repleto de livros sobre teorias deterministas e positivistas, Aprecia os pensamentos dos rebeldes. Mas tinha um plano para dominar o mundo. Ser alienável. Sabia que sua alma de Adão queria desobedecer a tudo e a todos, Mesmo assim, preferia educar-se para ser alienável o bastante para respeitarem ele, confiarem nele, pra gostarem dele. E depois ser o maior dos alienadores que ainda vai existir.
Não lhe dei nome. Alienáveis não merecem nomes. Mas como alienador, confesso que penso em… Adolfo.